Páscoa é Círculo: Entre Ovos, Conflitos e Afetos.

A Páscoa da escola sempre me encanta. As crianças ficam eufóricas com a visita do Coelho. Lembro que, em 2018, tivemos a primeira Páscoa com crianças que não acreditavam no Coelho. E se elas contassem para as outras?

Daquela vez, J., 08 anos e M., 06 anos, entraram em crise. L., 08 anos gostava de causar, e contou que o Coelho não existia. Conversei com ele, explicando que cada um acredita no que quer. Por fim, lá estava ele correndo atrás dos ovos.

No ano seguinte, por causa da entrada do D. G., 06 anos, no Fund, ampliei a história da Páscoa para as crianças, incluindo a Páscoa judaica em uma teatralização que ia da morte e ressurreição de Cristo, à abertura do mar vermelho, ao culto à Ostara nos países nórdicos, passando pelo Coelho da Páscoa. Desde então, convencionou-se que cada um acredita na história que quiser. De qualquer forma, para os que não creem, a Páscoa proporciona um momento de reflexão sobre passagens, que pode ser explicada através das mudanças de ciclos no planeta. Enfim.

Nos últimos anos, tivemos os burburinhos, o Jhonathan acusado de ser o Coelho, as explicações mais científicas possíveis entre as crianças. Mas tudo isso dá lugar à euforia quando a Páscoa se aproxima. Saber que a orelha por trás do muro é falsa não diminui a empolgação de celebrar a Páscoa e, principalmente, procurar pelos ovos de chocolate.

– Eu sei que é o Jhonathan, mas eu vou escrever a carta mesmo assim! – disse a S. R., 06 anos, brava, para o V., 07 anos, quando ele lhe cochichou um segredo ao ouvido.

– Eu vi! Quem jogou o avião foi o Jhonathan! – gritou o B., 09 anos, feliz por ter descoberto o segredo, sem se dar conta que o Jhonathan estava no mesmo espaço do que ele.

Nesta celebração, eu sempre escondo os ovos com a Cátia. Tenho prazer em fazer isso, e a cada ano eu tento dificultar mais. Fico paranoico com a quantidade; se vai faltar para alguém, ou se eu escondi a quantidade certa.

Neste ano, para não ter confusão, escondi os ovos de 3 em 3.

O B., 09 anos, foi o último a pegar o ovo, que estava escondido perto da oficina. Eu coloquei embaixo de uma moita, e ele não conseguiu ver o papel brilhante. Ele começou a ficar nervoso, com o rosto tenso. Fiz uma brincadeira de quente-ou-frio para que ele relaxasse. Encontrou o ovo.

A., 06 anos, não quis abrir o ovo, porque ia levar para a sua mãe. Depois, rendeu-se, e comeu o ovo junto com a H. 06 anos, que cedeu metade do seu ovo para ela. As crianças acharam ruim, porque ela comeu mais do que todo mundo. Eu a defendi, dizendo que a H. tinha o direito de compartilhar o chocolate com quem quisesse. Em dado momento, a A. me ofereceu um pedaço, e insistiu para que eu comesse. Fiquei comovido. Lembrei da minha primeira Páscoa aqui, quando o D. R., de 04 anos, veio na minha direção, e entregou um pedaço de ovo pra mim, dizendo que havia reparado que o Coelho tinha esquecido de trazer o meu presente. Ele só soube o quanto aquele gesto havia mudado a direção da minha vida anos depois, quando eu escrevi este acontecimento em sua carta de despedida da Maré.

Páscoa tem dessas coisas.

Mas nem tudo são flores. Estávamos de tempão livre. Juntaram-se na quadra Infantil e Fund para pega-pega cachorrinho. Quase todo o meu grupo estava lá, com muitas crianças do espaço Água, e muitas do Infantil. Mil crianças serão atropeladas à sua direita, dez mil à sua esquerda, e tu cuidarás de todas elas.

Criança machucada pra lá e pra cá, brigas começando. Um, dois, três pequenos conflitos. Gritaria. A brincadeira já estava azedando.

Eram 11h ainda. Reuni o meu grupo, e sentamo-nos no chão. Coloquei uma música relaxante, e as crianças se acalmaram rapidamente. Propus que pensássemos na ideia central da Páscoa – os ciclos – e a transformássemos em um desenho coletivo. Ideias aqui, ideias ali, e as crianças chegaram a um desenho com cerejeiras ao redor da folha, com montanhas e animais, e um sol grande no meio. Todos estavam colaborando, e o clima era de harmonia.

A L., 10 anos, não quis fazer a atividade, e disse que estava com dor de cabeça. Talvez estivesse chateada com a viagem que não faria na Páscoa. Pedi que se sentasse ao meu lado, e lá ficou. Precisava mesmo de um colo.

Aos poucos, as crianças foram descendo. Fiquei um tempão olhando para a pintura que fizeram. Tinha bastante significado. Decidi colocar neste registro, como lembrança de que as coisas são cíclicas.

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